Sinto como se eu tivesse passado
anos procurando uma rocha da mais alta qualidade, subindo e descendo morros e
visitando cidades, obtendo informações sobre onde encontrar a tal pedra bruta
de imenso valor.
Anos se foram e quando finalmente
encontrei, tive que doar mais alguns anos para conseguir transportar a rocha
felizmente encontrada, não cabia em meu peito a excitação. Então finalmente a
trouxe. E por mais algum tempo, me preparei para criar em minha mente o esboço,
do que pretendia esculpir, porque eu queria uma obra prima, algo próximo da
perfeição. Foi aí que a idéia veio à minha mente, mas eu precisava me preparar
para isso .
Pus-me a estudar, pesquisar, com
os melhores professores sobre as mais eficientes técnicas e a
melhor e minuciosa forma, para esculpir a mais linda escultura em rocha bruta, sem desperdiçar
nada da matéria prima que eu com tanto esforço , encontrei quase no fim do
mundo.
Por fim, após ter a técnica
perfeita, eu me senti pronta, e esculpi por anos e anos uma linda estátua de mulher, alva em pedra bruta, a mais bela, e mais
apaixonante, sem arestas, sem defeitos, com delicados traços e feições deslumbrantes, que
emocionava corações para todo lado e fazia os olhos de quem a via, lacrimejar e
por vezes prantear aos seus pés. Mas um
dia a estátua foi considerada importante demais para pertencer somente a mim, e
foi decidido que seria levada para exibição pública em um país muito distante,
tamanha a sua importância histórica e cultural, e o lugar para onde foi levada,
era protegido e cheio de normas federais, onde somente pessoas de alto padrão e
de importância pública poderiam apreciá-la de perto, eles a cobriram com uma cúpula de Cristal e
adaptaram sensores de presença, as visitas eram controladas, e o lugar quase
inacessível. E eu, como criadora , somente poderia vê-la a muitos metros de distância, como
as pessoas comuns que a visitavam, e por tempo muito breve. Eu a visitei nos primeiros anos por três vezes ou mais, e
aí meu dinheiro acabou, pois embora a obra fosse minha, não tinha direito sobre
ela, embora somente eu a esculpisse, eram outras mãos, mais aristocráticas,
poderosas, famosas, que teriam a chance de
tocá-la. Das vezes que visitei, lembrei quando ela estava em meu jardim e eu
podia me sentar á sombra dela para apreciá-la por horas, lembrei como suas formas eram
perfeitas e como o sol a tocava gentilmente por entre as folhas das árvores, que
plantei para protegê-la, sentindo o aroma doce das flôres do jardim que cultivei em torno dela, mas eu, por mais que tenha dedicado a minha juventude á essa
obra, não poderia jamais tocá-la, ou sentar a sombra dela, ou apreciá-la com os
mesmos olhos que a moldaram com todo cuidado.
Meu coração foi pouco a pouco
encolhendo, e de tão oprimido não quis mais sofrer. Larguei meus instrumentos
de escultora, e procurei um lugar onde nada me lembrava minha "Obra
Prima". Era como minha filha, aquela estátua, era minha criação, contudo me fazia
sofrer, e quando era fotografada por todo o mundo, não era meu nome que
aparecia abaixo do nome dela. Eu nunca era fotografada com ela, eu nunca era
citada com ela ou sobre ela, era como se ela tivesse se feito sozinha, e era
como se eu não fosse digna da obra que criei.
Num último gesto de autodefesa,
me afastei de minha própria obra, e estou ainda tentando sobreviver aos dias
que vivi ao lado dela, porque naquela época eu era feliz, porque naquela época
ela era minha. Por Capittu Bacellar.
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