quinta-feira, 14 de março de 2013

Minha Obra Prima



 
Sinto como se eu tivesse passado anos procurando uma rocha da mais alta qualidade, subindo e descendo morros e visitando cidades, obtendo informações sobre onde encontrar a tal pedra bruta de imenso valor. 

Anos se foram e quando finalmente encontrei, tive que doar mais alguns anos para conseguir transportar a rocha felizmente encontrada, não cabia em meu peito a excitação. Então finalmente a trouxe. E por mais algum tempo,  me preparei para criar em minha mente o esboço, do que pretendia esculpir, porque eu queria uma obra prima, algo próximo da perfeição. Foi aí que a idéia veio à minha mente, mas eu precisava me preparar para isso .

Pus-me a estudar, pesquisar, com os melhores professores  sobre  as mais eficientes técnicas e a melhor e minuciosa forma,  para esculpir a mais linda escultura  em rocha bruta, sem desperdiçar nada da matéria prima que eu com tanto esforço , encontrei quase no fim do mundo.

Por fim, após ter a técnica perfeita, eu me senti pronta, e esculpi por anos e anos uma linda estátua  de mulher, alva em pedra bruta, a mais bela, e mais apaixonante, sem arestas, sem defeitos,  com delicados traços e feições deslumbrantes, que emocionava corações para todo lado e fazia os olhos de quem a via, lacrimejar e por vezes prantear aos seus pés.  Mas um dia a estátua foi considerada importante demais para pertencer somente a mim, e foi decidido que seria levada para exibição pública em um país muito distante, tamanha a sua importância histórica e cultural, e o lugar para onde foi levada, era protegido e cheio de normas federais, onde somente pessoas de alto padrão e de importância pública poderiam apreciá-la de perto,  eles a cobriram com uma cúpula de Cristal e adaptaram sensores de presença, as visitas eram controladas, e o lugar quase inacessível. E eu, como criadora , somente poderia vê-la  a muitos metros de distância, como as pessoas comuns que a visitavam, e por tempo muito breve. Eu a visitei  nos primeiros anos por três vezes ou mais, e aí meu dinheiro acabou, pois embora a obra fosse minha, não tinha direito sobre ela, embora somente eu a esculpisse, eram outras mãos, mais aristocráticas, poderosas, famosas,  que teriam a chance de tocá-la. Das vezes que visitei,  lembrei quando ela estava em meu jardim e eu podia me sentar á sombra dela para apreciá-la por horas, lembrei como suas formas eram perfeitas e como o sol a tocava gentilmente por entre as folhas das árvores,  que plantei para protegê-la, sentindo o aroma doce das flôres do jardim que cultivei em torno dela,  mas eu, por mais que  tenha dedicado a  minha juventude á essa obra, não poderia jamais tocá-la, ou sentar a sombra dela, ou apreciá-la com os mesmos olhos que a moldaram com todo cuidado.

Meu coração foi pouco a pouco encolhendo, e de tão oprimido não quis mais sofrer. Larguei meus instrumentos de escultora, e procurei um lugar onde nada me lembrava minha "Obra Prima". Era como minha filha, aquela estátua, era minha criação, contudo me fazia sofrer, e quando era fotografada por todo o mundo, não era meu nome que aparecia abaixo do nome dela. Eu nunca era fotografada com ela, eu nunca era citada com ela ou sobre ela, era como se ela tivesse se feito sozinha, e era como se eu não fosse digna da obra que criei. 

Num último gesto de autodefesa, me afastei de minha própria obra, e estou ainda tentando sobreviver aos dias que vivi ao lado dela, porque naquela época eu era feliz, porque naquela época ela era minha.   Por  Capittu Bacellar.

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